O Alentejo continua a ser considerado terra de trigo na época da Expansão, mesmo nos anos que não eram favoráveis à agricultura havia sempre a possibilidade de haver pão.
Os legumes eram considerados alimentos bons para o povo e para trabalhadores do campo e sabe-se a forma como desempenharam um papel muito importante na alimentação do Alentejo, Feijão, grão e favas estavam, tal como hoje, incluídas em muitas receitas tradicionais.
Analisando todos os factos podemos determinar sobre a cozinha alentejana e concluir que ela foi sempre uma cozinha ligada ao campo, ruralizada, mas uma cozinha rica, de paladar apurado, e não uma cozinha de distinção social. Sempre foi uma cozinha sem complexos que escolheu produtos de uma forma natural, socorrendo-se daqueles que eram destinados aos ricos e os que eram dirigidos aos pobres, segundo as circunstâncias e o paladar, sem obedecer as regras que lhe eram estranhas. Será aí, em parte, que teremos de procurar a sua força e a maneira pujante como se tem afirmado, subtraindo-se a qualquer ocultação. Essa força está relacionada com a força do lavrador e do trabalhador para procurar na terra a sua subsistência. A agricultura, apesar das irregularidades do tempo e da pobreza dos solos vinculou o homem à terra que dela tentava retirar com esforço, produção para comer e para vender.
VINHO
No Alentejo sempre se bebeu mito vinho, consequência da divulgação que a vinha teve através de todos os tempos no seu território. A policultura mediterrânica, antiga tendência do Alentejo, não era concebida sem vinha. Beber vinho, que sempre foi sinal de superioridade social, foi, e ainda é, prática de todas as classes sociais.
OLIVAL
Durante a Expansão já era bastante comum no Alentejo o olival. As azeitonas são alimento de «conduto» nas classes mais baixas e comidas quotidianamente. Com qualquer sopa, ou só com o pão, comiam-se azeitonas que não raras vezes constituíam uma refeição.
O azeite continua a ser a gordura mais consumida. O «azeite para o ano» constituía uma preocupação das famílias e desempenhava o papel de garantia de uma reserva. A carne de um «fumeiro» e um pote de barro cheio de azeite aliviavam a inquietação alimentar do alentejano.
O gado aumentou muito no Alentejo durante o período da Expansão, principalmente ovinos e gado vacum, ao mesmo tempo que se consolidava e aumentava o gado suíno.
A carne de ovino entrava na dieta alimentar do alentejano e era comida regularmente. Uma boa parte de receitas das carnes da cozinha tradicional alentejana refere o borrego nas mais diversas execuções, de ensopado, guisado, assado no forno, etc. (ver receitas). Habitualmente eram comidos os carneiros e as ovelhas, enquanto os borregos se guardavam para a Páscoa.
O gado aumentou muito no Alentejo durante o período da Expansão, principalmente ovinos e gado vacum, ao mesmo tempo que se consolidava e aumentava o gado suíno.
A carne de ovino entrava na dieta alimentar do alentejano e era comida regularmente. Uma boa parte de receitas das carnes da cozinha tradicional alentejana refere o borrego nas mais diversas execuções, de ensopado, guisado, assado no forno, etc. (ver receitas). Habitualmente eram comidos os carneiros e as ovelhas, enquanto os borregos se guardavam para a Páscoa.
Na Expansão ficaram fixadas definitivamente algumas formas de confecionar alimentos que constituem receitas regionais e que, com alguns séculos em cima, recebem modernamente a denominação de receitas tradicionais. Alguns exemplos: cardos cozidos temperados com coentros, cardos à Fernão de Sousa, cardos em Trouxas, couves recheadas, sopa de grão com labaças ou espinafres, feijão com cabeça e rabos de porco, sopa de feijão com segurelha, sopa de feijão com couve temperada com azeite para dias magros, perdiz com couve, lebre com feijão, sopa de beldroegas, etc. (ver receitas).
Cultivavam-se favas, muito correntes na alimentação, comidas cozidas, temperadas com azeite em dias de abstinência, ou guisadas com morcela e toucinho, tal como hoje se cozinham.
As ervilhas também eram comuns e cozinhavam-se com uma colher de açúcar e muitos coentros. Agriões, alfaces e couves de diferentes variedades eram igualmente cultivadas.
Também se cultivavam nabos, rabanetes e rábano, que tal como ainda é hoje, era muito apreciado para acompanhar carnes, e de duas variedades de cenoura. Afinal quase todas as variedades de hortaliça e legumes que hoje conhecemos.
A fruta era tida como alimento de grande valor e comia-se ao natural ou transformada em geleias ou compotas. Foi no século XV que se divulgou a laranja doce proveniente da China.
A abundância de fruta era geral, embora nessa altura a laranja tivesse um interesse especial. Em quase todas as terras do Alentejo estão assinaladas, a maioria das vezes em conjunto com limões, sendo estes dois frutos os principais agrumes do regime alimentar alentejano.
O melão e a melancia tinham grande relevância entre as frutas, havendo já nessa época um melão de «Inverno», serôdio, que se colhia mais tardiamente e que aguentava até ao Natal.
A melancia era uma apetecida fruta de Verão que refrescava. Quando a melancia é cortada há um gás que se liberta, deixando-a mais fria e mais saborosa.
O pepino era outro hortícola muito semeado e, tal como nos dias de hoje, com o qual se faziam saladas frescas em tempos de calor. Constituía (e constitui) elemento essencial para o gaspacho, prato que os espanhóis também gostam de reivindicar. Alimento completo para climas quentes como o Alentejo e a Extremadura espanhola.
Se pesquisarmos o Alentejo hortícola dos finais do século XVIII podemos reparar que os legumes frescos e verdes, as hortaliças e as frutas eram componentes importantes do regime alimentar alentejano.
Só mesmo no limiar da ignorância se pode continuar a dizer que a alimentação alentejana, além do porco, pouco mais era do que pão e água.
O mel, juntamente com os figos, foram o adoçante mais utilizado até ao aparecimento e divulgação do açúcar.
O mel era um produto de grande importância para a alimentação, utilizado não só na doçaria como em pratos salgados. Nesta altura ainda era uso o sabor agridoce em algumas receitas e era o mel o componente presente na cozinha para se realizar esse desejo do paladar. Era comido no pão, e com ele acabo de sair do forno, faziam-se as deliciosas tibornas. Era o adoçante das bebidas e tornava-se como alimento dietético e estava incluído em receitas para a saúde. A água-mel, muito frequente na época, feita a partir do mel, substituía a manteiga no pão.
Ocupava um lugar de destaque na doçaria, em bolos chamados de mel, em broinhas, nos nogados, etc. (ver receitas). No setor doceiro fixaram-se definitivamente receitas que perduraram até aos nossos dias, e as receitas de mel ocupam lugar de excelência. Xaropes e licores, tão ao gosto da época, eram feitos com o mel, que ocupava o lugar de componente principal.
O mel perdeu importância alimentar com a divulgação do açúcar que estabeleceu uma revolução na doçaria, quando entrou nos costumes pela porta da cozinha dos conventos, aumentando consideravelmente o seu consumo.
AVES
Tal como hoje, comiam-se abundantemente galos, galinhas, capões, patos e gansos. Igualmente presentes na alimentação de todos os dias, estavam os ovos. No campo os animais eram criados em semiliberdade, voltando todas as noites às capoeiras. Nas vilas e cidades eram frequentes as casas que nos seus quintais reservavam um espaço para a criação.
A expressão comum «matar uma galinha» ou «comer um galo» pretendia referir a intenção deliberada de variar o regime quotidiano e mais vulgar de carne - porco ou ovinos.
O regime alimentar carnívoro estava centrado essencialmente no porco, seguido da caça e da carne ovino e só depois vinham as aves, as «carnes finas» comiam-se em dias celebrados, mas recorriam também a elas quando os estômagos não podiam suportar alimentos mais fortes. Com elas faziam canjas que, julgadas pobres em sabor e subsistência, eram enriquecidas com uma boa «bóia» de toucinho e um bom bocado de chouriço, a acompanhar a inocente galinha. Situação que deu origem à tradicional «sopa da panela» (ver receitas).
O galo era uma ave com um grande poder simbólico, considerado como uma comida erótica. Matava-se um galo quando o namorado ia pela primeira vez a casa da noiva.
Parece ser consensual que a cozinha alentejana é rica na sua tradição, com a existência de pratos acentuadamente regionalistas, mas que não encerram receitas que possam ser consideradas de alta cozinha. Deixando de lado considerações que se poderiam fazer sobre o que é considerado alta cozinha, à qual prefiro chamar «cozinha de corte» podem-se enumerar algumas receitas alentejanas que são susceptíveis de ser consideradas como cozinha elaborada e rica e, entre elas, uma referente a ganso.
A receita de ganso lacado com mel (ver receitas), antecedido de canja acompanhada com fatias de pão torrado barradas com o fígado da mesma ave, é prova da imaginação e da riqueza alimentar da cozinha alentejana.
ESPECIARIAS
Com a partida dos árabes rarearam as especiarias e o Alentejo deixou de poder encontrá-las para as utilizar nas suas receitas. Mas essa ausência não fez desaparecer completamente o seu uso, apenas diminuiu o leque de utilização.
Pode dizer-se que o Alentejo foi a província que mais tarde ficou sem o abastecimento normal das especiarias e a que mais cedo voltou a contar com elas para a sua cozinha, cozinha que não lhe tinha perdido a memória. E quando voltaram, algumas já não encontraram o seu uso enraizado, como o gengibre, o cardamomo, as maças, o sândalo, o almíscar, etc., que não voltaram a ser condimentos comuns.
O tomate conheceu notoriedade na Europa em certas regiões como Itália, Espanha, as províncias da Provença e do Languedoc logo no século XVI, como aconteceu em Portugal, mas no resto do continente foi necessário esperar até aos meados do século XIX para se tornar num alimento comum. Era comido em salada, temperado com pimenta, azeite e sal, instituindo-se como um acompanhamento fresco, frequente junto de outros pratos que com ele combinavam. Começa depois a entrar como componente de algumas receitas e como ingrediente-tempero nos refogados e molhos. A forma vigorosa como se estabeleceu nos molhos, não só na cozinha alentejana como na cozinha em geral, levou a gastronomia internacional e principalmente a francesa, a considerar «a la portugaise» as receitas que levavam tomate.
Como se tratava de um hortícola sazonal, fazia-se conserva de tomate para ser utilizado durante todo o ano, armazenando-se em garrafas. As sopas de tomate, a galinha de tomatada, a tomatada com chouriço e ovos entram definitivamente no receituário alentejano.
O pimento, encarnado e verde, entrou de uma maneira forte na cozinha alentejana. Como o tomate, começou por ser comido cru, acompanhando sopas ou consumido em saladas. Cozinhado entrou como componente de muitos pratos e tal como o tomate, como ingrediente-tempero de refogados e molhos.
A sua maior influência na cozinha alentejana foi no tempero da carne de porco, juntando-se a carne ao alho, para ser comida fresca ou para a temperar no alguidar antes de ser cheia e fumada. Foi então com a massa de pimento, moída e fresca, que as variedades de enchidos se alargaram, enriquecendo o seu gosto e permitindo uma melhor conservação. Hoje é difícil imaginarmos um chouriço, uma linguiça nova, ou um paio, ou uma carne de alguidar, sem a presença do pimento.
Como se tratava também de um produto sazonal, fazia-se a massa de pimentão depois da sua colheita e guardava-se para o tempo das matanças e para o resto do ano. Foram principalmente as carnes de porco que mais beneficiaram com a sua utilização, mas pela riqueza do seu sabor, também alguns peixes beneficiaram a sua utilização. Algumas receitas caíram em desuso, como por exemplo o cação temperado com alho e massa de pimentão (ver receitas), de tal forma que hoje em dia se pensa ser tempero exclusivo da carne de porco. O pimento foi um dos grandes responsáveis que ajudaram a fixar, desde o século XVI, algumas receitas da cozinha tradicional do Alentejo.
A batata, vinda do continente americano, chegou no século XVIII mas só teve verdadeira divulgação no século XIX.
PERU
O peru chegou à Europa por volta de 1534, veio juntar-se a enumeras aves já existentes, como cegonhas, garças-reais, abetardas, pavões, cisnes, etc., mas com a vantagem de ser mais barato, vistoso, mais gordo e, principalmente, muito mais saboroso. No Alentejo entrou com facilidade e não havia exploração agrícola que não tivesse um bando de perus. Nesta altura o peru era consumido com mais assiduidade, não se esperando pelo Natal para o comer. Os ovos eram apreciados e a carne era comida corada no forno, ou então, de ensopado, receita que desapareceu do receituário alentejano e que era comum em tempos ainda não muito longínquos (ver receitas).
FEIJÃO
Era comido em vagem e seco. Considerado um alimento forte, recomendado para os estômagos robustos dos trabalhadores, entrou nos hábitos alimentares de todos os alentejanos.
No Alentejo o uso de comer feijão estava instalado há muito tempo, com as variedades árabes e completava-se a dieta alimentar através de um consumo quase diário. Juntamente com os grãos, foram os legumes mais consumidos. A facilidade e possibilidade do seu armazenamento por períodos largos, permitia uma permanente disponibilidade.
O milho no Alentejo não teve uma introdução fácil e não se divulgou como em outras províncias que não dispunham, como as terras alentejanas, de trigo para fazer pão. Foi cultivado nas hortas sendo utilizado mais como forragem do que como cereal para fabricar pão. Mesmo com o pão de má qualidade, com farinhas grosseiras, mal peneiradas, o alentejano sempre preferiu o pão de trigo a qualquer outro cereal. A entrada do milho, que foi um benefício para as regiões do centro e norte de Portugal, não representou qualquer modificação nos hábitos alimentares alentejanos.
AÇÚCAR
As ervilhas guisadas, temperadas com coentros e com uma colher de açúcar, são exemplo de uma receita que sobreviveu atá hoje com esta característica, assim como a sopa de tomate ou a tomatada, que levavam e ainda levam uma colher de açúcar, quando o tomate com que são preparadas apresenta um sabor mais ácido que o habitual.
O lugar onde o açúcar entrou de forma expressa foi na doçaria e nas bebidas que o adotaram como adoçante de eleição. A doçaria do Alentejo é rica, principalmente a conventual, e não hesitamos em considerá-la como a mais rica e variada de Portugal.
No Alentejo o café entrou nos usos e costumes, sendo bastante bebido, principalmente pelas mulheres que mantinham em permanencia uma cafeteira ao lume. «Pão com queijo e café» constituiu uma refeição matinal de muitas gerações, tanto nos meios rurais como nas cidades.
SÉCULOS XVII E XVIII
Como tem acontecido quase sempre em Portugal quando se tomou a França como exemplo, já esta tinha mudado de hábitos quando o hábito aqui chegou. Quando em Portugal as cozinhas aristocráticas se empenhavam na elaboração de receitas complicadas, emplumando carcaças de aves, flamejando javalis cobertos de mel, polvilhando frequentemente com as especiarias disponíveis cada terrina ou cada travessa, já os franceses, a partir do século XVII, se surpreendiam com o exagero de tanto tempero.
Relatos da época narram o suplício que constituía comer à mesa de um fidalgo português. As receitas eram incomestíveis, na opinião da mulher de Junot, que «fugiu» de Portugal aterrorizada com os frequentes comités da fidalguia portuguesa para os seus banquetes.
Os franceses não só reduziram a paleta das especiarias como reduziram as quantidades utilizadas em cada receita.
Não quero dizer que o modelo francês tenha sido adotado, mas é necessário entender a forma como a cozinha alentejana recebeu influências das práticas culinárias conventuais.
Se o uso das especiarias foi sinal de distinção, por que razão abandonaram as cozinhas conventuais povoadas de gente nobre, o excesso de especiarias logo no inicio do século XVIII? Possivelmente porque a cozinha palaciana que lá se executava reconheceu o mérito da cozinha burguesa e popular. Pois não foi só em relação aos temperos que houve mudança em relação às escolhas alimentares. Os conventos deram o primeiro sinal dessa mudança.
As duas cozinhas, conventual e popular, formaram-se através desta influência mútua e a cozinha alentejana, foi sempre uma cozinha aberta a estímulos, pronta a aceitar novas formas de execução e disposta a acolher novos produtos.
Dos conventos recebeu, nos séculos XVII e XVIII, os ensinamentos para tratar alguns produtos alimentares de uma forma mais elaborada, ao mesmo tempo que ensinou estes mesmos conventos a utilizarem nas suas confeções mais produtos do campo e a cozinha-los com mais simplicidade e respeito.
Cozinha Conventual |
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